domingo, 22 de fevereiro de 2015

Blog do Designer #2: Criando seu próprio Apêndice N - parte 1

Criar um RPG não é tão fácil quanto eu pensei. Envolve uma dedicação extra a um hobby que já nos cobra um bocado de tempo. Eu realmente admiro aqueles que seguem na empreitada e acabam criando seus próprios RPGs.

Acho que uma das coisas mais importantes na criação são as inspirações que motivaram o autor a começar a escrever um jogo completo. As inspirações sempre vem de diversas fontes: livros, filmes, quadrinhos, séries de TV, jogos de tabuleiro, cartas e também outros RPGs. 

Olhando bem, o RPG nasceu de duas paixões: uma pelos famosos wargames, populares desde sempre nos EUA e a literatura pulp e sword & sorcery que permeavam o imaginário de Dave Arneson e Gary Gygax. Essa inspiração foi materializada mais tarde no famoso Apêndice N na primeira edição do Dungeon Master Guide do AD&D.

Aquele compilado de escritos eram a ponta do iceberg para a literatura de Espada & Magia na década de 70, mas eram suficientemente importantes para motivar um jogo que iria se tornar maior que o próprio hobby criado por ele mesmo.

Acho fundamental que cada escritor de jogos tenha seu "Apêndice N" próprio para nortear a sua própria criação. Ela serve como um lembrete do porque sentamos na frente do LibreOffice e começamos a digitar nossos textos tão queridos.

Para o livro Masmorras Esquecidas estou revisitando todas as influências que me levaram até aqui. Creio que tenho uma avalanche de coisas que me motivaram a finalmente escrever meu próprio RPG de Espada & Magia e gostaria de compartilhar minha visão sobre essas referências. Pelo menos as principais.

Parte 1: RPGs

Vamos começar pelos RPGs. Muitos aqui até podem imaginar a quase obrigatória presença do antigo D&D ou as edições primordiais do AD&D. Mas não foi Gygax quem me inspirou a escrever Masmorras Esquecidas

Por um motivo muito simples: amo AD&D e acho que ele, mesmo com seus defeitos, redeu boas partidas (se não as melhores) e não há muito mais o que mudar. Mesmo porque, existem retro-clones fiéis como OSRIC e Labyrinth Lord e outros nem tanto como Basic Fantasy que cumprem o papel de revitalizar as primeiras edições.

Ao invés disso, outros RPGs, que foram bem populares no Brasil são os que me motivaram a revisitar o gênero e iniciar o projeto.

RPG/Aventuras Fantásticas - Uma Introdução aos role-playing games



Vamos começar pela inspiração primordial. No começo da década de 1990, a editora carioca Marques de Saraiva trouxe ao Brasil a série Livro-Jogos Aventuras Fantásticas (série esta atualmente publicada pela editora Jambô). Eram aventuras-solo que o leitor jogava sozinho. O livro oferecia duas ou três opções ao final de cada trecho e o leitor tomava a decisão pelo aventureiro.

O sistema tinha como premissa a extrema simplicidade e era funcional à sua maneira. Além desta série, Steve Jackson (o britânico, não confunda com o criador do GURPS - esse é outro cara) trouxe um livro de regras de RPG que permitia usar as regras dos livros-jogos da sua série para partidas tradicionais de RPG - com Mestre de Jogos, jogadores e afins.

Juntamente com o livro "básico" havia um modulo de aventuras chamado O Saqueador de Charadas, que introduzia pela primeira vez regras para armas e magias no sistema de Aventuras Fantásticas.

Com essa dupla de livros, eu comecei a jogar RPG. Ganhei os dois de uma vez só no natal de 1994 e desde então este jogo tem um lugar especial na minha estante. Foi ali que eu aprendi o que eram Orcs, como era interessante adentrar masmorras em ruínas e como poderia ser divertido jogar RPG. Nunca me importei com a ausência de armaduras, embora imaginasse meu aventureiro sempre vestindo uma. 

Por sua simplicidade, era muito fácil jogar de improviso. Se você tivesse acesso ao bestiário Out of the Pit- saídos do inferno a preparação necessária para um bom Dungeon Crawl era zero. As personagens eram criadas em menos de 10 minutos e eu como Mestre, criava minha masmorra grotesca a medida que os aventureiros progrediam na exploração da mesma.

Este foi o meu primeiro contato com o RPG. Hoje eu olho para este jogo com carinho e busco retransmitir o clima daquelas tardes nubladas e frias  de sábado (se você é de São Bernardo do Campo, SP sabe do que estou falando) onde ficávamos em casa nos empaturrando de Fandangos e Coca-Cola explorando masmorras por horas e horas. 

Não poderia deixar de mencionar o cenário de Allansia, que era o principal continente do mundo de Titan. Posso dizer que sou um dos poucos sortudos que tem o Guia de Titan - hoje raridade - que era uma organização dos lugares vistos nas diversas séries especiais e regulares de Aventuras Fantásticas.

Além disso, tivemos a tradução de dois dos três módulos do Advanced Fighting Fantasy (ou Aventuras Fantásticas Avançado): Dungeoneer e Blacksand!. O primeiro módulo continha todas as regras para jogar, com inovações feitas em cima dos módulos mais básicos. Ele tinha um foco no dungeon crawl, deixando para Blacksand! maiores detalhes sobre aventuras nas cidades, com cultos esquisitos, guildas de ladrões e boatos de taberna.

Hero Quest


Este blog tem essas cores por um motivo: elas me lembram demais o manual de regras do Hero Quest. Esse jogo, para um garoto de 11 anos era sombrio pacas e, mantidas as proporções, este clima mais cinza, decadente e tenebroso marcou o que eu acho ideal para um jogo de Espada & Magia.

Basta ver o tabuleiro. Ele é a materialização da masmorra decadente. Existem tiles manchados de sangue, uma bota perdida e ossos espalhados por todo canto. De quem eram esses ossos? Que batalha foi travada aqui? Como deve ser o cheiro dessa coisa toda?

Hero Quest introduzia a noção de que para atravessar a masmorra, os personagens deveriam trabalhar em equipe. Dificilmente um único personagem iria conseguir lidar com os oponentes, se o Zargon (ou Morcar na versão original) fosse esperto, poderia encurralar facilmente um único herói.

O jogo básico vinha com 14 buscas para serem jogadas, mais a possibilidade de que o Zargon poderia criar suas próprias buscas. Além das 14 buscas básicas, a Estrela lançou duas expansões para o jogo: "O Retorno de Witch Lord" e "Armadilhas em Kellar's keep".

Este jogo foi uma grande influência para mim. Poucos jogos me fascinaram tanto quanto Hero Quest e sempre busquei cenários com esse "quê" de caos e escuridão.

Uma curiosidade: em sua expansão "O Retorno de Witch Lord", fica claro que Hero Quest se passa no mesmo cenário de Warhammer Fantasy Roleplay - um RPG britânico de fantasia lançado também pela Games Workshop.

Dungeons & Dragons


A clássica "Caixa Preta" da Grow, com uma das minhas ilustrações favoritas de Jeff Easley. Este módulo permitia a evolução de personagens de 1 ao 5. Teoricamente, outras caixas iriam expandir para níveis acima, mas se você não manjava de inglês tinha que se contentar em jogar campanhas curtas ou descolar a Dragão Brasil e seu artigo "Além do quinto nível" ou usar o livro do jogador do AD&D da Abril, que viria anos depois.

Eu fiquei por muito tempo na primeira opção. Gostava dos níveis mais básicos e nunca tive paciência de evoluir muito além disso. Isso, se os aventureiros sobrevivessem tanto tempo. É engraçado como os personagens morriam mais do que hoje em dia.

Ninguém ligava, era tudo inocente. Na minha cabeça aquele era O Jogo. Usei extensivamente o ciclo dos cinco níveis e foleei o livro de regras até o grampo enferrujar e a capa ficar mais sovada que lutador de MMA.

Essas são as inspirações que tenho para escrever meu RPG Masmorras Esquecidas. Elas são importantes para manter o pé no chão. Um lembrete da proposta do jogo e até onde devemos ir.

Lembro com muito carinho esses jogos e eles inspiram cada parágrafo que escrevo. Na parte 2, vou falar um pouco das minhas referências literárias de fantasia medieval. Até lá!

TAVERNEIRO LOUCO
Habilidade 8, Energia 19, Sorte 0

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