sexta-feira, 22 de julho de 2016

Diferenciais do 'RPG Aventuras Fantásticas' como jogo introdutório

Ultimamente tenho pensado muito sobre como eu aprendi a jogar RPG quando tinha 10 anos de idade. O motivo pelo qual tenho feito estas indagações é que, em primeiro lugar, minha partida inaugural de RPG foi como Mestre de Jogo e, por fim, que eu não tive problema algum em assumir esta responsabilidade dentro do jogo nem em conduzir a aventura.

Muito se fala sobre como é difícil aprender RPG e como isso é um impedimento para o ingresso em nosso hobby. Então eu fiz esta reflexão sobre a facilidade que eu tive em aprender o jogo. Acabei voltando no tempo, nos meus primeiros dias como jogador (e Mestre) de RPG e lembrei de um fato importante: eu comecei a jogar RPG com o Aventuras Fantásticas.

Não me refiro aos livros-jogos (embora eles tenham sido parte da minha infância no mesmo período) nem ao Dungeoneer (primeiro livro da série Advanced FIghting Fantasy). Estou falando do RPG publicado aqui pela editora Marques Saraiva sob o singelo título RPG/Aventuras Fantásticas.

Este foi o meu primeiro RPG. Me recordo até hoje como a capa me capturou desde o primeiro instante. Ele possuía um guerreiro e um dragão, com a sigla "RPG" em letras garrafais. Mas o principal mesmo é o seu interior, que apresentava um conjunto extremamente simples de regras (os aventureiros possuiam apenas a tríade clássica de HABILIDADE, ENERGIA e SORTE) para combate e resolução de ações. Além da simplicidade, o livro continha exemplos e duas aventuras prontas: O Poço dos Desejos e As Galerias Infernais de Shaggradd.

A proposta do livro sempre foi ser uma introdução ao RPG. Seus princípios básicos. O fato é que ele é extremamente feliz em apresentar um legítimo RPG de fantasia com um sistema extremamente simplista.

O objetivo deste artigo é determinar que elementos deste livro o tornaram um sucesso dentro da sua proposta. Com isso, pretendo determinar o que é de fato importante para o aprendizado do hobby a um jogador ou mestre de jogo e como os RPGs introdutórios atuais falham em diversos aspectos que o RPG/Aventuras Fantásticas foi bem sucedido.

1. Pra quem nada sabe, qualquer coisa é novidade!

Uma coisa a ser dita: o RPG/Aventuras Fantásticas é um jogo dito como "incompleto". Ele não possui regras para magia, nem mesmo armas. Então a premissa é que os personagens-jogadores são "aventureiros" no sentido literal da palavra. São pessoas comuns, com uma espada na mão que vivem em um mundo fantástico.  A ausência destes elementos seria "remediada" no módulo "O Saqueador de Charadas" que iria apresentar alguns feitiços e armas básicas. 

Isso, por si só, é apontado como um problema por um monte de jogadores experientes. Mas estes se esquecem de que você não digere todas as regras e nuances de uma vez. Francamente, esses elementos não fazem a menor falta para uma criança de 10 anos. Ela não sabe nada de RPG e tudo que sabe é jogar video-games. Se você for apresentar um jogo analógico como o RPG, terá que apresentar os conceitos em "doses homeopáticas". Se você não sabe nada de RPG, qualquer coisa é novidade! 

Por que diabos eu deveria enfiar goela abaixo tantas coisas ao mesmo tempo? Antes que você feche esta janela, pense que no RPG você precisa aprender uma porção de coisas além das regras em si. Duvida? Vamos listar aqui o que uma pessoa (incluindo uma criança de 10 anos, que era o meu caso) precisa aprender antes da primeira sessão:
  • as regras do jogo (criação de personagens, combates e resolução de ações);
  • compreender o papel do Mestre de Jogo e dos jogadores;
  • interpretar um personagem criado a partir das regras;
  • criar uma aventura;
  • narrar uma aventura criada;
  • que tropos compõe um gênero (no nosso caso, fantasia);
Percebe quantas coisas temos que absorver de uma vez? 

Aprender RPG é muito mais que saber as regras do jogo. Então o RPG/Aventuras Fantásticas é incompleto APENAS se você olhar de trás pra frente. Um jogador experiente irá certamente apontar o que ele gostaria de ver no jogo antes de considerá-lo um "RPG de verdade" (adoro quando os nerds cuzões jogam esta carta).

Porém, para uma pessoa que NUNCA jogou RPG e não tem ninguém nem nada além de um livro para jogar, tudo ali é novidade. Ele só dará conta das coisas que faltam no jogo quando ele tentar outros jogos. Porém é nesse ponto que a magia aconteceu: agora você tem um jogador ávido por novos materiais. 

Ele ou ela sabe o que esperar de uma aventura, sabe o que é um personagem, porque existem números numa ficha e sabe o que um Mestre de Jogo tem que fazer. 

O resto agora é só detalhe.

2. Seu personagem é o que você quiser que ele seja

Instruções: Jogue um dado e some seis ao resultado. Este será o seu valor em HABILIDADE. Faça o mesmo para a sua SORTE. Para determinar o valor de ENERGIA jogue dois dados e some 12 ao resultado. Dê um nome legal para o seu aventureiro. Você já pode começar o jogo.

Essas são as regras de criação de personagens no RPG/Aventuras Fantásticas. Fora provisões e poções que você carrega, não há mais o que fazer que impeça o jogo de começar. Uma coisa que pode parecer estranho é que o jogo não exige que o jogador faça escolha alguma. Você apenas gera três valores aleatoriamente e anota o que os dados te informarem. 

O que esses valores significam irá depender do jogador. Neste sistema o aventureiro é aquilo que o jogador imagina, nada mais, nada menos. Não existem rótulos ou "pacotes" de habilidades. Você não precisa atender a nenhum requisito. Isso é conveniente quando se deve aprender a interpretar um personagem e entender a dinâmica do jogo: Existe um Jogador que interpreta um Personagem que irá atuar diante do que o Mestre de Jogo descreve. É só isso que você precisa saber para começar a se divertir.

Talvez a exceção seja a questão da magia. Personagens conjuradores só eram possíveis com o Saqueador de Charadas e isso era um fator limitante dentro da proposta do "seu personagem é o que você quiser que ele seja". No entanto, as regras de magia ocupam poucas páginas e você podia agregar a magia a qualquer momento dentro da sua "carreira de aventureiro". 

A presença da magia dentro do "Core" só seria revisto no Advanced Fighting Fantasy e isso fez muito sentido.

3. O Mestre de Jogo criativo e aventuras prontas

Ser um Mestre de Jogo é, talvez, o exemplo mais claro de como muitas habilidades "além regras" precisam ser desenvolvidas para se ter um bom jogo. Minha primeira partida de RPG foi como Mestre de Jogo. Eu mestrei "O Poço dos Desejos", uma aventura pronta que vinha no livro de regras e isso fez toda a diferença. Primeiro, porque as regras não eram problema. Segundo, porque a aventura era igualmente simples e com textos em itálico que me diziam o que ler para os jogadores quando entrassem em um aposento.

Com todos os detalhes fora do caminho, o Mestre aprendia a usar a criatividade, se virar com improviso, adaptação e julgamento de probabilidade. Essas são "habilidades" de um Mestre fundamentais a qualquer RPG. Você não precisava elaborar descrições, mas com certeza tinha que apresentar as descrições do livro com algum entusiasmo. Treinamento em oratória, puro e simples. 

Óbvio que, posteriormente, você vai achar estas aventuras relativamente bobas. Mas isso faz parte da evolução como Mestre ou Jogador. No entanto, não faz sentido exigir do Mestre todo uma carga que ele não pode carregar e sei que isso tende a minar a confiança de conduzir o jogo e gerar um estresse que, aos poucos, acabam efetivamente tirando a diversão do Mestre. Se um Mestre iniciante não se divertir tanto quanto os jogadores, dificilmente ele ou ela continuará jogando e irá para hobbies mais amigáveis como video games e jogos de tabluleiros.

Como Mestre de Jogo desde sempre, não posso culpá-los.

Posteriormente a linha básica nos apresentaria mais duas aventuras: as já citadas Galerias Infernais de Shaggradd e O Saqueador de Charadas.

O interessante d'O Saqueador de Charadas é que ela apresenta um vilão, ambientes diversos (cidades, florestas, navio e, claro, dungeons). Você tinha o Dappa, um NPC aliado dos personagens que ajuda a reforçar a ideia de que o Mestre não está contra ou a favor dos jogadores. Tudo dentro de uma estrutura que lembra as aventuras que você via no livro de inicial, mas com variações importantes: por mais que seja uma aventura linear, ela dá ao Mestre as "credenciais" para deixar as coisas mais soltas durante a partida. 

Depois dela, o Mestre está apto a jogar aventuras de qualquer tipo.

4. Conclusão

Com o encerramento d'O Saqueador de Charadas eu não vi mais módulos de RPG/Aventuras Fantásticas, por isso fui "forçado" a procurar mais coisas e foi graças a isso que conheci Dungeons & Dragons GURPS. 

Porém eu encarei estes jogos com naturalidade. Já sabia o que esperar e nada foi traumático ou trabalhoso. A jornada pelas masmorras do livro básico e a derrota do infame Saqueador foram a minha "formação básica" de Mestre.

Acredito que um RPG nestes moldes são importantes ao hobby. Não podemos mais nos dar ao luxo de achar que o jogo será aprendido em um EIRPG ou com base em uma experiência prática onde um Mestre apresenta o jogo para os novatos. 

É preciso assumir que existem interessados que talvez tenham que aprender o jogo "do zero" e sozinhos. Para isso, eu realmente acredito ser necessário um RPG sem grandes detalhes, mesmos que estes sejam "vacas sagradas" em jogos mais avançados.

Olho com grande carinho para estes dois livros. Sem eles eu acho que jamais me interessaria em RPG por tanto tempo.

TAVERNEIRO LOUCO
Rival do Saqueador de Charadas



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